INTERVENÇÃO DO FÓRUM DE ENTIDADES E MOVIMENTOS JUVENIS DA GRANDE BH NA AUDIÊNCIA PÚBLICA DE 19 DE OUTUBRO

INTERVENÇÃO DO FÓRUM DE ENTIDADES E MOVIMENTOS JUVENIS DA GRANDE BH NA AUDIÊNCIA PÚBLICA DE 19 DE OUTUBRO DE 2011, NA CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE


 


A construção de um Centro de Referência da Juventude em Belo Horizonte é uma demanda histórica dos movimentos juvenis da cidade e deve ser compreendida na perspectiva de democratização de equipamentos, atividades e serviços públicos para a juventude. Nós, do Fórum de Entidades e Movimentos Juvenis da Grande BH, defendemos que as e os jovens devem acessar equipamentos públicos que promovam os seus direitos, com qualidade e atenção especializada. Acreditamos que um Centro de Referência da Juventude pode ser um dos meios para se efetivar isso, funcionando como um polo estratégico capaz de impulsionar e integrar políticas em todo o município. Algo tão complexo não pode ser feito a “toque de caixa”, nem será obra de umas poucas cabeças iluminadas. É preciso ouvir as juventudes e estabelecer uma metodologia participativa para o desenho do projeto. Por essa razão, discordamos da forma como a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) veio conduzindo, até aqui, a possibilidade de criação do Centro e a questão das Políticas Públicas de Juventude (PPJ), de um modo geral. Antes de pontuar as nossas críticas e propostas para a audiência pública de hoje, queremos contar uma breve história.


Desde 2003, quando as discussões sobre as PPJ começaram a ganhar visibilidade nos cenários local e nacional, temas como participação política, cultura, educação, trabalho, saúde, direitos humanos, entre outros, passaram a ser pautados dentro de uma agenda específica de promoção da cidadania dos e das jovens. Naquele momento, não era nada óbvio dizer que as e os jovens são sujeitos de direitos. Foi necessário reafirmar essa ideia inúmeras vezes, em diferentes espaços, para públicos diversos, e ainda hoje é fundamental tornar a dizer que, sim, a juventude é um segmento que deve ter seus direitos assegurados pelo Estado e por toda a sociedade.


A formação de um campo de lutas pelos direitos da juventude no Brasil é um processo recente e que segue em curso, como resultado de discussões e mobilizações desencadeadas por todo o País durante a última década, com a participação de movimentos e organizações sociais, universidades e do poder público. Não por acaso, 2003 pode ser considerado um divisor de águas dessa história: foi o ano de início do Projeto Juventude, iniciativa do Instituto Cidadania, que produziu um grande diagnóstico sobre a juventude brasileira, e quando se instituiu, na Câmara dos Deputados, a Comissão Especial destinada a acompanhar e estudar propostas de Políticas Públicas para a Juventude; no plano local, foi quando aconteceu o I Seminário de Políticas Públicas de Juventude de Belo Horizonte, realizado pelo grupo D.vEr-CidaDe Cultural e a ONG Contato.


Alguns anos depois, muito foi feito e o Brasil já vivencia inegáveis avanços em torno dessa temática. Uma das conquistas mais emblemáticas, sem dúvida, foi a aprovação da Emenda Constitucional nº 65, em julho de 2010, que insere o termo “jovem” no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal (CF) e abre caminho para a elevação das políticas de juventude ao patamar de políticas de Estado. Com a nova redação dada pela emenda, o Artigo 227 da CF diz que:


“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”


Outra conquista importante é a aprovação do Estatuto da Juventude pela Câmara dos Deputados, neste mês de outubro. Caso seja aprovado pelo Senado, o Estatuto irá inaugurar um novo estágio rumo à consolidação da cidadania jovem. Para citar algumas inovações do Projeto de Lei, o poder público deverá assegurar a obrigatoriedade do Ensino Médio, fomentar e subsidiar o associativismo juvenil e destinar 30% do Fundo Nacional de Cultura a programas e projetos culturais voltados aos jovens. São, ainda, exemplos de diretrizes do Estatuto a criação dos Conselhos da Juventude, em todos os níveis, com fundos vinculados aos Conselhos; a adoção de políticas de ação afirmativa como forma de combater a desigualdade racial e de gênero; bem como o respeito à diversidade sexual e a inclusão de temas relacionados à sexualidade nos currículos escolares.


Dentro desse panorama, tem sido crucial o papel desempenhado pela sociedade civil. Várias redes e fóruns de juventude surgiram ao longo desses anos e tensionaram os debates em favor de mais diversidade e democracia, exigindo que os e as jovens fossem os reais protagonistas das PPJ, da concepção à execução de ponta. Vale destacar, aqui, o surgimento do Fórum Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis, em 2003, e do Fórum de Entidades e Movimentos Juvenis da Grande BH, em 2004. O Fórum de BH atuou intensamente até 2008, período em que falou em nome de mais de 40 organizações, e assumiu a participação juvenil e o acesso da juventude à cidade como suas principais bandeiras reivindicativas. Nesse sentido, é marcante a luta permanente do Fórum pelo fortalecimento do Conselho Municipal de Juventude.


Criado em 1998, o Conselho funcionou precariamente até 2003 e, tal como ocorre hoje, foi enfraquecido e desativado pela Prefeitura. A partir de 2005, o Fórum passou a pressionar a Coordenadoria Municipal de Juventude, a fim de que fossem convocadas eleições para recomposição do Conselho. Em meio a esse conflito, foi realizada uma audiência pública, na Câmara Municipal, na qual também se discutiu a implementação do Projovem em Belo Horizonte (novidade que chegava com a Política Nacional de Juventude, à época recém-lançada pelo Governo Lula e que também instituía a Secretaria e o Conselho Nacional de Juventude). Após a audiência, criou-se um grupo de reestruturação do Conselho, com participação da Prefeitura, da Câmara e da sociedade civil. Fruto desse trabalho foi a Conferência Municipal de Juventude de 2006, precedida por nove etapas regionais. O evento propiciou um debate de qualidade sobre as necessidades e demandas dos e das jovens e elegeu os conselheiros e as conselheiras da sociedade civil para a nova gestão do Conselho. Mas a comemoração ficou por aí: o documento de propostas retirado da Conferência não foi colocado em prática pela PBH e o Conselho, embora formado por um grupo qualificado e motivado, jamais teve o devido respaldo institucional para desempenhar as suas funções. Sem uma verdadeira política municipal de juventude e com o Conselho cada vez mais debilitado, as consequências já são conhecidas: o Conselho foi novamente desativado e assim permanece há três anos; a Conferência Municipal de Juventude de 2008 foi um desastre; a Coordenadoria Municipal de Juventude foi deliberadamente desestruturada e comprimida; Belo Horizonte tornou-se uma cidade hostil aos direitos da juventude.


É preciso dizer que todos esses golpes foram extremamente frustrantes para os movimentos juvenis locais, que perderam ritmo de mobilização e, em muitos casos, se dispersaram ou direcionaram esforços para outras frentes de atuação. O Fórum não foi imune a essa conjuntura e, nos últimos anos, acabou ficando paralisado. Em julho de 2011, entretanto, algumas organizações ligadas ao Fórum decidiram reanimar a rede e as discussões. A faísca para a retomada foi um convite da Prefeitura para um almoço com o prefeito Marcio Lacerda, que aconteceu no dia 8 de agosto. Entre os convidados, organizações com diferentes trajetórias no campo da juventude, algumas integrantes do Fórum. Em pauta, a juventude em BH e a apresentação da proposta do Centro de Referência. Na ocasião, o prefeito Marcio Lacerda admitiu que desconhece as realidades e necessidades da juventude, chegando a afirmar que, até o dia anterior, não conseguia diferenciar juventude e adolescência, mas que havia feito o “dever de casa” e lido um pouco sobre o assunto. No final do encontro, quando o prefeito já havia se retirado do local, o gerente do Centro, André Rubião, explicou as linhas gerais do projeto e colocou-se à disposição para seguir em contato com as entidades presentes.


Queremos deixar claro que, apesar de considerarmos válida a tentativa de diálogo com os movimentos juvenis, após um longo período de silêncio e descaso, e de reconhecermos que a provocação da Prefeitura estimulou a nossa reação, discordamos da maneira restrita e particularizada com que esse canal de interlocução foi estabelecido. Ao privilegiar um grupo seleto de organizações como interlocutoras preferenciais, a Prefeitura desvirtua o sentido democrático e abre precedente para que relações personalizadas e favoritismos tomem lugar, em detrimento dos princípios de impessoalidade, moralidade e publicidade que a administração pública deve perseguir. Ao mesmo tempo, impede que outras organizações, movimentos e jovens participem diretamente da elaboração de uma política que é de toda a cidade.


Com relação à proposta do Centro de Referência, naquele dia não tivemos condições de analisar detidamente o seu conteúdo e menos ainda de criticá-la com rigor, em função do tempo reduzido e da superficialidade da apresentação. O “power point” apenas sinalizava que o Centro deveria abrigar atividades que nos pareceram bastante desarticuladas, tais como muro de escalada, minifloresta e sala de música clássica, por exemplo, e funcionaria, também, como uma central de informação juvenil, contando, inclusive, com um serviço de orientação vocacional. Foi mencionado que o Centro seria construído onde hoje é o Miguilim Cultural, com um orçamento da ordem de 15 milhões de reais. À exceção dessas informações, não tivemos acesso ao projeto, não sabemos se existe um diagnóstico que o justifica, não conhecemos a visão política de juventude que o fundamenta, não entendemos a opção por determinados serviços e atividades. Outro dado que nos chamou a atenção é que a proposta parte de um modelo de São Paulo. Evidentemente, qualquer modelo externo pode servir como parâmetro para o desenho de uma política, mas é preciso ter muito cuidado: uma experiência tida como exitosa num certo contexto dificilmente será aplicável a um contexto distinto, sobretudo quando os cidadãos e as cidadãs querem participar das decisões públicas.


O capítulo mais recente dessa breve história foi a realização da Conferência Municipal de Juventude, no mês passado. Depois de muito protelar, ficar de má vontade e quase perder a data, a Prefeitura resolveu convocar a Conferência às pressas, sem qualquer trabalho de sensibilização e mobilização e com pouco diálogo com os setores juvenis. Das inscrições dificultadas à bagunça no dia do evento, todo o processo foi marcado por atropelos. Para piorar, o debate de propostas foi seriamente prejudicado, pois os grupos temáticos tiveram menos de duas horas para concluir os trabalhos e não foram coordenados segundo uma metodologia adequada. É bom lembrar que o caderno de propostas aprovadas ainda não foi divulgado pela PBH. Na abertura da Conferência, a propósito, André Rubião exibiu um caderno que conteria todas as ações do município voltadas para a juventude e afirmou publicamente que o documento poderia ser disponibilizado, o que ainda não ocorreu.


Para encerrar a nossa intervenção nesta audiência pública, queremos propor soluções aos problemas que identificamos:



  • Belo Horizonte precisa construir uma autêntica política municipal de juventude, com princípios, diretrizes, ações e orçamento próprios, o que é muito diferente de um mero apanhado de políticas soltas que atingem a faixa etária juvenil. Defendemos políticas específicas e integradas, pensadas para e com a juventude.

  • A Coordenadoria Municipal de Juventude deve ser fortalecida e assumir o seu papel de articulação das PPJ. Para isso, é necessário dotá-la de uma estrutura decente, além de ampliar e qualificar a sua equipe.

 



  • Não entendemos a razão de o Centro de Referência da Juventude estar fora da estrutura da Coordenadoria, dividindo com ela o mesmo nível hierárquico no organograma da Prefeitura. Qual o sentido dessa fragmentação? Qual o interesse da Prefeitura em esvaziar a Coordenadoria? Propomos que o Centro seja gerido pela Coordenadoria, como estratégia de consolidação da institucionalidade de juventude no município.

  • O Conselho Municipal de Juventude precisa ser reativado com urgência, em caráter permanente e deliberativo. Propomos a criação de uma comissão de reestruturação, que deverá pensar o processo de eleições e sugerir nova legislação para o Conselho, com participação da Prefeitura, da Câmara e da sociedade civil. O Conselho é o legítimo canal de interlocução entre o poder público e a juventude e é por meio dele que as decisões sobre as PPJ deverão ser tomadas.

  • O Centro de Referência da Juventude deve ser pensado com a participação direta dos movimentos juvenis e integrar uma política maior, afinal, um projeto isolado não pode assegurar os direitos da juventude. Mais do que um espaço físico, o Centro deve estabelecer relações democráticas com a população e contribuir para que a juventude acesse e ocupe a cidade, exercício que por si só tem uma dimensão educativa e emancipatória. O Centro também deve ser uma instância articuladora entre equipamentos públicos já existentes, como os Centros Culturais, por exemplo.

  • Propomos a criação de um grupo de trabalho paritário, composto pela Prefeitura e a sociedade civil, para análise e elaboração do projeto do Centro. O grupo poderá se dividir em subgrupos temáticos, conforme os serviços e atividades a serem contemplados na proposta. Esse grupo de trabalho deve ser amplamente divulgado e aberto a contribuições de toda a cidade.

  • Por fim, reiteramos a nossa disposição para auxiliar na construção de políticas públicas de forma séria, transparente e que levem em conta as reais necessidades dos e das jovens de Belo Horizonte. Que o senhor prefeito ouça o nosso recado: LACERDA, A JUVENTUDE ESTÁ DE OLHO!

 


 


Belo Horizonte, 19 de outubro de 2011.


 


 


Assinam este documento:



  1. Associação Imagem Comunitária – AIC

  2. Brigadas Populares

  3. Centro Juvenil Salesiano – Belo Horizonte

  4. Codinome Favela

  5. Conexão Periférica

  6. D.vEr-CidaDe Cultural

  7. Democracia Ativa

  8. Favela é Isso Aí!

  9. Grupo Cultural NUC

  10. Juventude da CUT-MG

  11. Juventude Kolping

  12. Juventudes Urbanas

  13. Observatório da Juventude da UFMG

  14. Oficina de Imagen